O processo de virtualização no Poder Judiciário mineiro deu um salto nos dois últimos meses com as restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus. Trabalho remoto, audiências, sessões de julgamento e reuniões virtuais, atendimento a distância e comunicação de atos eletronicamente passaram a ser adotados em larga escala no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para assegurar a prestação jurisdicional ao cidadão. E os números mostram que o Judiciário mineiro está cumprindo – e bem – sua missão constitucional.

Do dia 19 de março, quando começou a vigorar o trabalho remoto com atendimento presencial apenas em esquema de plantão, até o dia 29 de abril, o TJMG já havia executado 6.433.854 atos processuais.

Nesse período, foram 5.173.486 movimentações processuais, 609.412 despachos, 155.208 decisões de juízes e desembargadores e 165.189 julgamentos.

Foram distribuídas 161.385 novas ações e recursos impetrados pelos advogados, com 155.796 baixas e 13.378 audiências realizadas na 1ª e  2ª Instâncias.

Para Afrânio Vilela, a modernização tecnológica impediu que houvesse um colapso na prestação jurisdicional - Foto: Robert Leal/TJMG

O 1º vice-presidente do TJMG, desembargador Afrânio Vilela, atribuiu a alta produtividade dos magistrados mineiros neste período ao comprometimento com o atendimento do interesse público na prestação da jurisdição à sociedade por parte dos desembargadores, juízes, assessores e servidores e aos investimentos na modernização dos recursos tecnológicos. “Esses fatores impediram que houvesse um colapso na prestação jurisdicional, mesmo abrindo mão do trabalho físico e presencial, neste momento não recomendados pelos organismos de saúde nacionais e internacionais”, disse o magistrado.

A direção do TJMG vem avançando no terreno tecnológico de forma a disponibilizar aos juízes, desembargadores e servidores, e também aos que operam junto ao Judiciário, mecanismos de trabalho remoto, com suficiência e eficiência. Intimações, por exemplo, têm sido feitas por meio do aplicativo WhatsApp. Os grupos de discussão temática também. “Recentemente, a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) disponibilizou um determinado curso. A 1ª Vice-Presidência criou um grupo e remeteu a mensagem, que antes fora enviada por e-mail. Em 24 horas, eram 130 inscrições de 135 possíveis, o que fez aumentar a abrangência da ação educativa prevista. Isso mostra o poder da comunicação”, ressaltou o desembargador.

O Tribunal mineiro já está preparado para sessões virtuais e remotas, com possibilidade de sustentação oral via mídia remetida previamente, e, ainda em fase avançada de testes, de sessão em tempo real por videoconferência.

“Nossas sessões já são gravadas e as notas taquigráficas, transcritas digitalmente. Estamos ultimando a importação dos agravos em execução penal via Sistema Eletrônico de Execução Unificada (SEEU). No dia 28 de abril, distribuímos 650 agravos em execução penal pelo meio eletrônico, importados do SEEU. Tudo com tecnologia própria, basicamente sem custos para o Judiciário, aproveitando a inteligência de nossos servidores”, destacou Afrânio Vilela.

PJe

No campo das inovações, o Processo Judicial Eletrônico (PJe) se mostrou um caminho irreversível para todos os órgãos do Poder Judiciário e um dos pilares dessa virtualização. Na atual gestão, o TJMG complementou o PJe no primeiro grau, levando-o a 100% nos processos cíveis em todas as 297 comarcas mineiras. Atualmente, a expressiva maioria dos recursos físicos é digitalizada no momento de sua protocolização. Trata-se de um trabalho do Projeto Feneis – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. Cada servidor digitaliza, em média, 30 volumes de 200 páginas diariamente.

Na área criminal, o TJMG passou a utilizar-se da chamada expansão das classes, ou seja, as medidas criminais de urgência, como é o caso de habeascorpus, são protocolizadas diretamente pelas partes no próprio sistema JPe e passam a tramitar eletronicamente. “Isso possibilitou, por exemplo, sua utilização em recessos alongados, como o do final do ano, tanto quanto nos plantões ordinários, e até mesmo neste momento extraordinário em função da pandemia. Com isso, o trabalho remoto é possível e eficiente”, ressaltou o desembargador Afrânio Vilela.

Radar

O 1º vice-presidente destacou mais uma medida implementada pelo Tribunal que tem agilizado o trabalho dos magistrados, principalmente neste período de isolamento social. Essa ação começa com a distribuição eletrônica dos processos/recursos no sistema, os quais são endereçados ao desembargador, por sorteio eletrônico realizado pela ferramenta Radar, criada pela área de informática do TJMG.

Essa ferramenta simplifica a trabalhosa tarefa de identificar a prevenção do relator, antes manual e que ocupava muitos servidores. “Hoje, o sistema faz a busca utilizando dados coletados em nosso “big data”, ou seja, no acervo do TJMG, com uma rapidez própria da virtualidade, com segurança e economia. Essa mesma ferramenta possibilita acesso aos bancos de dados, inclusive para pesquisa”, explicou Afrânio Vilela.

O TJMG já experimentou, com sucesso, as sessões digitalizadas, ou seja, julgamentos feitos usando a Inteligência Artificial, em que foram reproduzidos padrões para decisão de recursos repetitivos com tese de cumprimento obrigatório firmada no Tribunal e/ou nos tribunais superiores. “Em uma única matéria referente a desconto para assistência à saúde, apenas a 1ª Vice-Presidência julgou 16.300 recursos em pouquíssimo tempo. O Radar ajudou a encontrar os conexos, com mesmo pedido ou causa de pedir, reunindo-os para julgamento – isso no caso dos feitos eletrônicos. Os físicos exigiram trabalho manual e mais demorado das assessorias”, disse o magistrado.

Sustentação virtual

Diante dos desafios impostos pela pandemia, os magistrados precisaram encontrar formas alternativas para dar mais celeridade a processos e julgamentos. Um exemplo dessas soluções veio da 4ª Câmara Criminal do TJMG, que, no dia 22 de abril, realizou uma sessão virtual remota na qual os advogados sustentaram suas teses por meio de mídias digitais – algo inusitado no Judiciário mineiro e pouco visto no Judiciário nacional.  O material, enviado em DVDs e pen drives, foi acessado por todos os membros da Turma Julgadora.

Júlio Cezar Guttierrez adotou a sustentação oral virtual na 4ª Câmara Criminal como forma de agilizar os processos - Foto: Cecília Pederzoli/TJMG

O desembargador Júlio Cezar Guttierrez Vieira Baptista, presidente da 4ª Câmara Criminal, afirmou que o uso das ferramentas tecnológicas ainda assusta operadores do Direito, mas, de acordo com ele, alguns paradigmas precisam ser quebrados, especialmente neste momento de grave crise na saúde pública nacional. “A necessidade fez surgir essa possibilidade. A apresentação da sustentação oral por meio eletrônico causou surpresa. Ouvi de alguns advogados que havia o risco de as manifestações não serem ouvidas. Já eu já tenho uma visão diferente”, afirmou Júlio Cezar Guttierrez.

De acordo com o magistrado, com a sustentação oral virtual, a responsabilidade do julgador, que já não era pequena, se agiganta, pois é preciso deixar claro, nas decisões, que tudo o que foi dito na manifestação foi adequadamente enfrentado.

“Vejo essa ferramenta como um facilitador do trabalho do advogado, que pode preparar com mais calma sua sustentação, inclusive fazendo modificações. Sem contar que evita os inconvenientes de um deslocamento, principalmente de magistrados que residem em cidades distantes da capital. Estou convicto de que essa prática veio para ficar”, destacou o desembargador.

Avanços

Para o juiz auxiliar da Presidência e coordenador da Diretoria Executiva de Informática (Dirfor) do TJMG, Delvan Barcelos Junior, a quarentena ajudou a acelerar os trabalhos de inovação tecnológica e a implantação de projetos no Tribunal. Um deles é o PJe Criminal, que está prestes a ser disponibilizado, tornando o Judiciário mineiro integralmente informatizado.

Segundo o juiz Delvan Barcelos, a quarentena ajudou a acelerar a implantação de projetos no TJMG - Foto: Eric Bezerra/TJMG 

“Nossa previsão é colocar em produção um projeto piloto, no fim do mês de maio, do Processo Judicial eletrônico criminal. O teste será feito na 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte. Para isso, estamos em atuação juntamente com o Ministério Público e desenvolvendo a intercomunicação com a polícia para que o inquérito já venha de forma eletrônica”, afirmou.

Outro projeto que está sendo implementado pelo Tribunal é a adoção de um modelo de máquina virtual, ou seja, toda a rede dos computadores do TJMG ficaria em uma nuvem e poderia ser acessada de qualquer lugar do planeta, bastando apenas que se tenha acesso à internet. “Essa medida, observadas, claro, todas as questões de disponibilidade e segurança, irá facilitar muito o trabalho remoto do Poder Judiciário. E essa é a tendência”, ressaltou o juiz Delvan Barcelos Junior.

Para ele, a criação das máquinas virtuais resolveria um problema que existe atualmente, quando alguns sistemas do Tribunal só funcionam quando estão dentro da própria rede. “A importância deste projeto já em andamento está no acesso ao sistema de qualquer ponto em que o magistrado ou o servidor esteja, precisando apenas da internet”, explicou.

Futuro

Os bons números de produtividade do Tribunal mineiro nas semanas de trabalho remoto em razão da pandemia e o crescente emprego de ferramentas tecnológicas nos trâmites judiciais revelam a irreversibilidade do processo de virtualização. Para o desembargador Afrânio Vilela, superado esse momento de crise, as pessoas serão diferentes, assim como as instituições, sob pena de perderem a corrida tecnológica e, por consequência, a importância perante a sociedade.

“Este é um capitulo existencial novo, em todos os sentidos, agora experimentado por força dessa pandemia. De lado outro, confirma-se a teoria segundo a qual o ser humano evolui a partir de desafios. E, como tenho dito, o Direito é uma grande escada rumo ao infinito, na qual estamos a subir degraus, vencendo obstáculos, e não pararemos jamais, eis que enquanto houver mais de um ser humano sobre a Terra, o Judiciário haverá de estar presente para equacionar as lides”, finalizou o 1º vice-presidente do TJMG.