O rigor na punição à violência doméstica e familiar contra a mulher é o aspecto mais conhecido da Lei Maria da Penha, que completará 10 anos em agosto próximo. O que a maioria das pessoas não sabe é que o texto dessa lei institui instrumentos que visam à adoção de medidas de aprimoramento do Judiciário e prevenção no combate à violência contra mulher.

Para a desembargadora Evangelina Castilho Duarte, superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJMG (COMSIV), os mecanismos previstos na Lei Maria da Penha são uma grande conquista. Criada há quatro anos, a coordenadoria tem desenvolvido projetos, como o “Justiça vai à escola - Chega de violência”, e parceria com universidades. A partir deste mês, suas atividades serão ampliadas.

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Uma das iniciativas previstas para março é o curso sobre a Lei Maria da Penha, promovido com o objetivo de atualizar os magistrados de toda Minas Gerais sobre o debate da legislação. O curso foi gravado em videoaulas, que poderão ser assistidas pelo site da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (ejef.tjmg.jus.br).

Ainda em março, será celebrado um convênio com a Faculdade de Direito Izabela Hendrix, a partir do qual estagiários voluntários irão cooperar nas “Varas Maria da Penha”, especializadas em violência doméstica e crimes contra a mulher. Os estudantes atuarão no exame do acervo em andamento, viabilizarão o arquivamento de processos já decididos, de medidas protetivas já revogadas e de inquéritos policiais nos quais já se tenha configurado a prescrição da punibilidade do agressor.

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A COMSIV mantém ainda convênio com o curso de psicologia da Faculdade Pitágoras, a partir do qual os universitários cooperam com a equipe multidisciplinar das varas especializadas, atendendo a vítimas e agressores, e na elaboração dos laudos técnicos para subsidiar a decisão dos magistrados.

Na avaliação do juiz Relbert Chinaidre Verly, da 13ª Vara Criminal de Belo Horizonte, especializada em violência doméstica, a falta de pessoal é um dos desafios enfrentados nas “Varas Maria da Penha”. Para ele, iniciativas como os convênios firmados com as universidades são muito importantes para que o trabalho dos juízes das varas especializadas possa evoluir e que o atendimento às vítimas de violência doméstica seja garantido conforme exige a Lei Maria da Penha.

O objetivo do convênio firmado com a Faculdade de Psicologia do Centro Universitário UNA é atuar diretamente na prevenção. Os magistrados que atuam nas “Varas Maria da Penha” encaminham homens autores de violência doméstica e familiar para o projeto “Junt@s: mulheres e homens contra a violência”, onde participam de atividades em grupo nas quais refletem sobre suas ações e postura.

Segundo Simone de Oliveira, professora de psicologia da UNA, no projeto são trabalhadas formas do homem não praticar a violência, seja ela física, moral ou psicológica. A professora disse que a proposta é que, a partir das discussões em grupo, os homens mudem seu posicionamento frente a situações de violência contra a mulher. De acordo com a desembargadora Evangelina Duarte, o índice de reincidência dos participantes do projeto é de cerca de 1%.

Transformação

vmulher2Mais uma iniciativa que terá início neste mês é o projeto “Jovens Transformadores”. A coordenadoria capacitou, nos dias 22 e 26 de fevereiro, estudantes de Direito para que eles realizem incialmente palestras em escolas de ensino médio sobre a violência doméstica, podendo ampliar o debate para as universidades.

O curso oferecido aos estudantes abordou aspectos da Lei Maria da Penha como medidas protetivas, prisão do agressor, igualdade de gênero, relação saudável e relação doentia, locais de atendimento das vítimas, projetos e direitos humanos.

Para o estudante de Direito da UFMG, Gabriel Mendes Fajardo, que participou da primeira turma do curso, com a iniciativa é possível saber como Tribunal de Justiça atua nos casos de violência contra a mulher, principalmente em perspectiva educacional e combativa, e não somente quando a violência se concretizou. Ele acredita ainda que há uma facilidade maior para que a conscientização seja feita, quando o diálogo ocorre entre estudantes.

A desembargadora Evangelina Duarte adiantou que o “Jovens Transformadores” é um desdobramento do projeto “Justiça Vai à Escola – Chega de Violência”, a partir do qual magistrados, psicólogos, técnicos e parceiros da COMSIV realizam palestras em escolas de ensino médio da rede estadual, escolhidas em parceria com a Secretaria de Estado da Educação, a partir do Mapa da Violência de Minas Gerais, de acordo com o índice de violência doméstica de cada bairro.

Para este ano, dez escolas já foram selecionadas para receber o projeto. A primeira palestra será realizada no dia 18 de março, na Escola Estadual Luiz de Bessa, no bairro Goiânia, na região Noroeste de Belo Horizonte. Já neste dia, um estudante capacitado pelo “Jovens Transformadores” participará da palestra, acompanhado de um magistrado. A discussão é acompanhada da “Trupe a Torto e a Direito” da UFMG, que, em sua apresentação, aborda a violência contra a mulher.

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Aprimoramento

De acordo com Evangelina Duarte, a Lei Mara da Penha tem conseguido atingir o objetivo de conscientizar a população para a existência da violência doméstica e familiar que, antes, era admitida, tolerada e considerada como fato de irrelevância criminal, com exceções de casos com lesão corporal grave ou morte. Mesmo com os avanços, a magistrada acredita que a estrutura para o combate à violência contra mulher pode ser aprimorada. Para ela, o Judiciário mineiro ainda precisa criar varas especializadas nas comarcas do interior; o Poder Executivo precisa equipar as Delegacias da Mulher com pessoal especializado, instrumentos que deem agilidade ao atendimento e defende a criação de equipes específicas das delegacias das cidades do interior, onde não for possível a instalação de delegacias especializadas.