Repórteres Georgia Baçvaroff e Izabela Machado
Matéria publicada na edição de abril de 2018 do Jornal Decisão, da Amagis



Notícias falsas – as chamadas Fake News - têm 70% mais chances de serem retransmitidas na internet do que um texto verdadeiro. A conclusão é do maior estudo já feito sobre a disseminação de conteúdo falso na internet, publicado na revista Science em março deste ano.

Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, analisaram 126 mil mensagens, não apenas notícias jornalísticas, divulgadas no Twitter entre 2006 e 2017. No total, 3 milhões de pessoas publicaram ou compartilharam essas histórias 4,5 milhões de vezes. O caráter verdadeiro ou falso dos conteúdos foi definido a partir de análises realizadas por seis instituições profissionais de checagem de fatos.

Outor dado que chama atenção está relacionado ao alcance das fake news. Enquanto os conteúdos verdadeiros chegam a 1.000 pessoas, as principais mensagens falsas são lidas por até 100.000 pessoas. A pesquisa examinou a disseminação por assunto. As mensagens sobre política circulam mais e mais rapidamente que as de outras temáticas.

Os autores também observaram a participação de bots (diminutivo de robôs) - programas que simulam ações humanas repetidas vezes e de maneira padrão - na disseminação dessas notícias. Os robôs avaliados compartilharam mensagens falsas e verdadeiras com a mesma intensidade. “Notícias falsas se espalham mais do que as corretas porque humanos, e não robôs, são mais suscetíveis a divulgá-las”, sugeriu o artigo.

As fake news são capazes de espalhar um boato, atacar uma figura pública e, inclusive, ser importante arma política, como se viu nas eleições presidenciais americanas em 2016, quando foi eleito o republicano Donald Trump. A Justiça americana afirmou ter provas de que Trump contou com a ajuda dos russos, que teriam entrado na disputa e espalhado uma série de notícias falsas na internet para atrapalhar a candidatura de Hillary Clinton e influenciar o sistema político dos Estados Unidos.

Credibilidade

Para Fernando Neisser, coordenador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o grande problema das fake news é o fato de elas gerarem credibilidade, na medida em que tentam se assemelhar a uma notícia jornalística. “Elas acabam pegando carona em uma credibilidade que foi construída ao longo de séculos junto ao imaginário popular e que é natural de uma reportagem jornalística”, afirmou.

Além disso, existe um fator, de acordo com Neisser, que contribui ainda mais para a rápida disseminação, que são os vieses cognitivos. Presentes em praticamente todos os seres humanos, os vieses cognitivos são falhas do raciocínio em um efeito comprovado desde os anos 70. Eles são produzidos pelo nosso cérebro quando vemos uma informação ou uma notícia cujo conteúdo concordamos. Automaticamente, essa informação é compartilhada pelo interlocutor. Esse é o chamado viés da confirmação, explicou Neisser.

O contrário também existe, o viés da negação, que ocorre quando o interlocutor recebe uma informação da qual ele discorda. Nesse caso, o leitor tem uma tendência natural a imaginar que se trata de uma ‘mentira da imprensa’, por exemplo. “As fake news exploram esse efeito de uma forma muito inteligente, uma vez que as redes sociais encaixam muito bem nessa falha cerebral”, afirmou ele.

Conselho Consultivo

No Brasil, com a proximidade das eleições, em outubro, a ameaça das fake news é motivo de grande preocupação. Em uma campanha eleitoral de apenas 45 dias, uma exposição negativa decorrente de notícia falsa pode significar o fracasso de um candidato, além de outros danos. Atento a isso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou um grupo para desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas eleições.

Intitulado Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, o colegiado tem realizado reuniões periódicas para propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas sobre o assunto. O presidente do Tribunal, ministro Luiz Fux, ressaltou que a Justiça Eleitoral não pretende tolher a liberdade de expressão e de informação legítima do eleitor, mas que o papel do TSE é o de neutralizar comportamentos abusivos. “Notícias falsas derretem candidaturas legítimas. Uma campanha limpa se faz com a divulgação de virtudes de um candidato sobre o outro, e não com a difusão de atributos negativos pessoais que atingem irresponsavelmente uma candidatura”, disse ele.

Discussão

Estudioso do tema, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ponderou que há uma linha muito tênue entre a veiculação das fake news e a liberdade de expressão. Entretanto, segundo ele, as notícias falsas consistem em prática que desequilibra o processo eleitoral e pode caracterizar, pela legislação atual, crimes contra a honra. “Não se pode confundir a defesa intransigente da liberdade de expressão - princípio constitucional que deve ser respeitado em um Estado Democrático de Direito - com a não punição às fake news, mormente em se tratando de um processo eleitoral”, afirmou o magistrado.

Desembargador Alexandre Victor de Carvalho

Para Alexandre Victor de Carvalho, a criação de uma legislação específica sobre o tema e a criminalização desse tipo de conteúdo são caminhos para se evitar a existência e a explosão dessas notícias, mas, de acordo com ele, “é preciso que a regulamentação seja realizada com muito critério para que não haja censura e que não se coíbam discussões político-ideológicas, tão importantes no processo democrático eleitoral”.

Segundo o magistrado, o Judiciário está se preparando com a ajuda de outros atores, como a Polícia Federal, as Polícias Civil e Militar e a Agência Brasileira de Inteligência, para lidar com demandas dessa natureza. “Esses são órgãos que dominam a tecnologia relativa ao tema e podem ser muito importantes tanto na descoberta dessas falsas notícias como na retirada delas das redes sociais”, destacou o desembargador.

Enfrentamento

Matérias em discussão na Câmara dos Deputados preveem punição para quem espalha esse tipo de conteúdo na internet. É o caso dos projetos de Lei 7.604 de 2017 e 6.812 de 2017. O primeiro prevê a responsabilização de provedores de conteúdo nas redes sociais em casos de divulgação de informações falsas, ilegais ou prejudicialmente incompletas.

O segundo projeto transforma em crime divulgar ou compartilhar, por qualquer meio, na rede mundial de computadores, informação falsa ou prejudicialmente incompleta em detrimento de pessoa física ou jurídica. O presidente da Comissão de Informática, Direito Eletrônico e Crimes Eletrônicos da OAB-MG, Luis Felipe Silva Freire, destacou que o Brasil já conta com uma farta legislação que engloba o assunto, como o Marco Civil da Internet, a legislação eleitoral, o código civil (ato ilícito) e o código penal (especialmente os crimes contra a honra).

No entanto, segundo ele, a investigação das ocorrências esbarra na dificuldade de localizar o autor de uma notícia falsa. Isso se deve ao fato de que o compartilhamento massivo de fake news e a criptografia usada em aplicativos de mensagens dificultam a identificação do autor das informações, impedindo a punição dos responsáveis pela geração e divulgação de conteúdo falso. “Por isso, a importância de um investimento educacional, de orientação e conscientização para que as pessoas verifiquem a autenticidade de um conteúdo antes de compartilhá-lo. Certamente que o caráter pedagógico da pena surte efeito, mas estudos já apontam que somente a punição não é eficaz a ponto de eliminar essas notícias, justamente pela facilidade de criação do conteúdo falso, assim como pelo baixo índice de punição e responsabilização”, afirmou o especialista.

Neisser acredita que a solução para o fim das fake news deve passar pela conscientização da sociedade, com uma educação digital que é lenta, “mas é um caminho para que as pessoas comecem a compreender que nem tudo que está nas redes sociais e aplicativos é verdadeiro”, ressaltou.

Fact Checking

Verificar se o site de onde veio a informação é conhecido e se ele disponibiliza informações de contato, endereço, conteúdo, por exemplo, é uma das dicas mais eficazes para identificar a veracidade de uma informação, bem como identificar o nome de um repórter no texto. Quem alertou foi o editor de fact checking da Agência Pública, Maurício Moraes. “Muitos sites escondem quem é o autor da notícia ou o dono do site, além de datarem a notícia com informações genéricas. O objetivo final dessas páginas é fazer muita gente entrar nelas e clicar nos anúncios que estão ali, gerando recursos financeiros”, contou Moraes.

Maurício Moraes é um dos idealizadores do projeto Truco na Agência Pública. Criado em 2014, o projeto tem o objetivo de verificar a veracidade das informações que são divulgadas por autoridades e políticos, bem como mensagens relevantes que são disseminadas nas redes sociais e aplicativos de mensagens. “As informações são analisadas por meio da apuração e do levantamento que realizamos com dados públicos. Em seguida, elas são questionadas com o autor da mensagem, seja ela escrita ou falada”, explicou.

Em todos os casos, o autor tem a oportunidade de justificar e esclarecer por que forneceu informações equivocadas para seus eleitores ou públicos. “A gente sabe que não vai impedir que informações erradas continuem sendo disseminadas. Mas o que a gente quer é que os dados verificados sejam corrigidos e parem de circular”, informou.

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