Na contramão da valorização que tem sido dada à Justiça Eleitoral nos últimos anos, em especial pelo sucesso do sistema eletrônico de votação, a coleta biométrica de dados dos eleitores, a evolução da integração dos sistemas de controle das prestações de contas e a responsabilidade pelo armazenamento e gestão das informações da Identificação Civil Nacional (ICN), o Tribunal Superior Eleitoral trabalha para extinguir unidades da Justiça Eleitoral no primeiro grau de jurisdição, as Zonas Eleitorais.

Capitaneado maquiavelicamente pelo atual presidente do TSE, Ministro Gilmar Mendes, instituiu-se a maior trama de desmonte da Justiça Eleitoral de toda a história, que pode culminar com a desativação de metade das zonas eleitorais do País, inclusive, deixando de existir um sem número de cargos de juízes e promotores eleitorais, além de extinguir postos de atedimento da Justiça Eleitoral.

O processo iniciou-se com a aprovação pelo TSE da Res. TSE nº 23.422/2014, que estabelece normas para criação e instalação de zonas eleitorais, e tomou rumos assombrosos recentemente com a aprovação da Res. TSE nº 23.512/2017, da relatoria da Ministra Luciana Lóssio, que alterou o número mínimo de eleitores para zonas das capitais de estado e municípios com mais de 200 mil eleitores e impediu que as funções comissionadas e gratificações eleitorais de zonas extintas possam ser utilizadas pela Secretaria.

Entretanto, a mais grave de todas as alterações trazidas pela Res. TSE nº 23.512/2017, foi a determinação para que a Presidência do TSE expedisse normas com as diretrizes necessárias à adequação das zonas eleitorais existentes (art. 9º, Res. TSE nº 23.422/2014 alterado), em contraposição ao texto anterior, que deixava a cargo dos tribunais regionais eleitorais a redistribuição de eleitores vinculados a zonas com menos de 10.000 (dez mil) eleitores, o que já havia sido feito anteriormente em todos os estados.

Ora, deixar a cargo que uma única pessoa, no caso o Presidente do TSE, emanar determinações para a adequação das zonas elitorais, ao arrepio de qualquer outra previsão normativa nesse sentido, indica um viés de autoritarismo dos membros da Corte naquele momento, o que está trazendo imenso impacto na organização da Justiça Eleitoral no primeiro grau de jurisdição.

Como se diz em nosso interiorzão: me pergunte como!

No Diário de Justiça Eletrônico do TSE de hoje, 16/05/2017, foi publicada a Portaria TSE nº 372/2017, da Presidência do Órgão, determinando que os Tribunais Regionais Eleitorais deverão extinguir as zonas eleitorais localizadas no interior dos Estados, sob sua jurisdição, que não atendam a todos os parâmetros estabelecidos no art. 3º da Resolução TSE nº 23.422, de 6 de maio de 2014, com a redação dada pela Resolução TSE nº 23.512, de 16 de março de 2017.

Aqui já se vê o primeiro absurdo decorrente do conjunto da obra que se iniciou com a aprovação da Res. TSE nº 23.512/2017. Ora, o art. 3º, da Res. TSE nº 23.422/2014 prevê critérios para a criação de novas zonas eleitorais e, em nenhum momento, menciona que as zonas existentes deverão estar adequadas a tais critérios. Ao determinar tal adequação, o ilustre Presidente não somente violou a autorização que lhe foi dada pela norma maior, como terminará por causar um imenso desserviço à Justiça Eleitoral em seu conjunto, já que grande número de órgãos eleitorais de primeira instância deixarão de existir.

Veja, não é razoável admitir que uma única autoridade possa ter o poder de determinar que os Tribunais Regionais Eleitorais, também autônomos em sua organização, sejam submetidos à reorganização de sua jurisdição de primeiro grau, sem que haja previsão legal para tanto.

Não resta dúvidas da ilegalidade material e formal de tal determinação, cabendo a “nosoutros” lutar para que o disparate não venha a se consumar.

A repercussão da medida implantada por sua Excelência, trará prejuízos incalculáveis à jurisdição eleitoral, já combalida pela falta de estrutura, além de reduzir a cobertura de atendimento a quem mais necessita dos serviços da Justiça Eleitoral, o eleitor.

De forma a remediar o impacto das medidas, Sua Excelência fez incluir a manutenção de postos de atendimento nas zonas que serão extintas, vinculados às zonas eleitorais às quais serão integradas, destinados ao atendimento ao eleitor e ao apoio logístico das eleições 2018. Detalhe: os postos somente funcionarão até 19 de dezembro de 2018, devendo ser desativados em seguida.

Por óbvio que, com a extinção de metade das zonas em um estado, o acesso do eleitor aos serviços da Justiça Eleitoral será deveras comprometido, já que o mesmo terá que se deslocar muito para encontrar uma unidade de atendimento em alguns casos.

E, ressalte-se, a Justiça Eleitoral estará responsável pela gestão do cadastro da Identificação Civil Nacional!

O saco de Maldades do Presidente do TSE inclui ainda a determinação para que as zonas que permanecerem, deverão ter um limite médio de 100.000 eleitores (art. 1º, §2º, da Portaria), sem que haja determinação para que o número de servidores efetivos seja alterado, já que os cargos permaneceriam sendo um de técnico judiciário e um de analista judiciário em cada unidade.

Por fim, a crueldade da medida autoritária determinada pelo Presidente do TSE, está estampada, de forma mais contundente, no prazo que foi dado aos regionais para as adequações, que é de trinta dias (art. 8º, da Portaria) para elaborar o planejamento e sessenta dias posteriores para executar a extinção e remanejamento das zonas, não permitindo sequer aos regionais discutir a norma e a determinação.

Art. 8º Os tribunais regionais eleitorais terão o prazo de até 30 (trinta) dias contados da data de publicação desta portaria para encaminhar à Presidência do Tribunal Superior Eleitoral o planejamento da extinção e remanejamento de zonas eleitorais em suas circunscrições, nos termos previstos neste ato normativo.
§1º O planejamento enviado pelos tribunais regionais eleitorais será analisado à luz de estudo feito pelo Tribunal Superior Eleitoral, tendo em vista o mesmo objetivo.
§2º Após o prazo estabelecido no caput deste artigo, os tribunais regionais eleitorais terão o prazo de até 60 (sessenta) dias para proceder à efetiva extinção e remanejamento das zonas eleitorais do interior dos Estados sob sua jurisdição, devendo providenciar todos os procedimentos decorrentes das modificações implementadas e os necessários "de-para" de eleitores no Cadastro de Eleitores, conforme estabelecido em norma vigente, e observar a preferência pela manutenção do eleitor em seu local de votação anterior.
§3º Nos casos em que municípios pertencentes a zonas extintas estejam em procedimento de revisão, o Tribunal Regional Eleitoral respectivo deverá agendar junto ao Tribunal Superior Eleitoral a paralisação necessária do Cadastro de Eleitores para a efetivação do "de-para" a que se refere o § 2º deste artigo.

A primeira etapa das adequações das zonas eleitorais já foi realizada este ano junto às capitais de estado, tendo havido a extinção de 72 zonas eleitorais em todo o País, sendo o estado do Rio de Janeiro o que perdeu maior número de zonas.

O principal argumento do TSE para a extinção de zonas eleitorais é a redução de custos, tendo divulgado que a primeira etapa do rezoneamento, que inclui somente as capitais de estado, renderá economia de R$ 13 milhões por ano à Justiça Eleitoral (VEJA MATÉRIA AQUI: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Marco/extincao-de-72-zonas-vai-gerar-economia-de-r-13-milhoes-por-ano-a-justica-eleitoral).

A Ministra Luciana Lóssio, relatora do processo de alteração da Res. TSE nº 23.422/2014, destacou logo após a aprovação, que as alterações seriam necessárias para que fossem corrigidas algumas distorções, tais como a situação do Rio de Janeiro (capital) que tinha a metade do eleitorado de São Paulo (capital) e possuía o dobro de zonas eleitorais (VEJA A MATÉRIA AQUI: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2017/Marco/tse-aprova-mudancas-para-aprimorar-rezoneamento-eleitoral).

Fico imaginando se a eminente Jurista Luciana Lóssio, ponderada em suas decisões, teria sido capaz de prever o escarcéu que Sua Excelência, Gilmar Mendes, faria com as suas bem intencionadas modificações, que culminará com a extinção de quase a metade das zonas do País, extinguindo-se, com elas, o acesso dos eleitores à Justiça Eleitoral, e a redução de órgãos jurisdicionais de primeira instância.

Não se sustenta a tese de redução de custos por si só, sem que haja previsão legal a amparar a medida tomada pelo Presidente do TSE, devendo ser rechaçada a precarização da Justiça Eleitoral ao argumento puro e simples de redução de custos.

A necessária reação da sociedade

Faz-se necessário, neste momento, a reação de toda a sociedade em contraposição à Portaria TSE nº 372/2017, já que a mesma possui vícios que a tornam ilegítima:

a) exorbita a competência do Presidente do TSE, já que os dispositivos invocados da Res. TSE nº 23.422/2014 tratam exclusivamente da criação de novas zonas, não da reorganização da Justiça Eleitoral de Primeiro Grau ou mesmo das zonas já existentes;

b) viola o princípio da hierarquia administrativa entre os tribunais eleitorais, uma vez que não há subordinação entre eles já que, na hipótese de não haver previsão genérica em resolução, não poderia o Presidente do TSE determinar a realização de reorganização da jurisdição de primeiro grau, sem que os regionais tivessem participado das discussões;

c) prevê prazos inexequíveis de adequação dos regionais à nova realidade;

d) deteriora a Justiça Eleitoral de primeiro grau, responsável pelo atendimento ao eleitor e pela organização e execução das eleições em cada município, causando um desserviço à nação, ao argumento de redução de custos.

A reação da sociedade deve-se dar por parte das mais variadas instituições, associações de Magistrados, de membros do Ministério Público, servidores, da Ordem dos Advogados do Brasil, mas, principalmente, das organizações sociais em cada município, que deixará de ter atendimento próximo e o órgão judiciário.

É preciso que medidas judiciais junto ao Supremo Tribunal Federal sejam tomadas, além do acionamento do Conselho Nacional de Justiça, na esfera administrativa, para que as intenções do Presidente Gilmar Mendes sejam barradas.

Permitir que tal cenário se consolide, por ato de uma única autoridade, sem legitimação legal para tanto, é abrir espaço para que medidas amargas de todos os tipos venham a ser implantadas Brasil afora no futuro, o que deve ser combatido por todos os que acreditam no estado democrático de direito.


Fonte: Instituto Novo Eleitoral
Autor: Márcio Oliveira