entrevista

O Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do processo que pode descriminalizar o porte de drogas para consumo pessoal em todo o país. Na última sessão, ocorrida no dia 10 de setembro, os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram a favor da liberação do porte de maconha para uso próprio. Em agosto, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, votou para derrubar o caráter penal do porte para consumo de qualquer droga. Faltam ainda os votos de oito ministros.

O julgamento do processo com repercussão geral na mais alta Corte do país reacendeu a polêmica sobre o tema e gerou controvérsia entre diversos setores da sociedade. Para o desembargador do TJMG José Osvaldo Corrêa Furtado de Mendonça, o ônus da descriminalização recairá sobre toda a sociedade. Nesta entrevista ao site da Amagis, o magistrado afirma que a liberação do porte também trará transtornos inimagináveis à saúde pública. Foto: Danuza Brazil/TJMG

O que está sendo julgado no STF? A descriminalização apenas do porte de maconha para uso próprio ou de todas as substâncias entorpecentes?

O Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário 635659/SP, está julgando a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal. O tema chegou à Corte Constitucional através de um caso julgado pela Justiça paulista, em que um réu foi condenado à pena de prestação de serviços à comunidade por portar pequena quantidade de maconha. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo interpôs recurso perante o Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade do delito tipificado no art.28 da Lei 11.343/06, argumentando que a criminalização do porte de entorpecente para consumo próprio ofende o princípio da intimidade e da vida privada, e que não se poderia criminalizar uma conduta que somente é ofensiva à saúde do próprio usuário. Debruçando-se sobre a questão, o ministro Gilmar Mendes entendeu pela inconstitucionalidade do art.28 da Lei 11.343/06, afastando do dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal. No entanto, os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso propuseram a declaração da inconstitucionalidade do referido delito, apenas no que se refere à maconha, ao que me parece, pelo fato de ter sido essa droga que foi apreendida com o autor do Recurso Extraordinário.

A partir do momento que o porte for liberado, o cidadão também poderá usar drogas livremente em espaços públicos? Como o uso de substâncias entorpecentes é tratado atualmente pela legislação brasileira e que mudanças a descriminalização poderia acarretar?

Quanto ao uso em locais públicos, fatalmente isso irá acontecer. O uso de substância entorpecente é tratado de maneira extremamente branda pela legislação. Desde a vigência da Lei 11.343/2006, não há mais previsão de pena privativa de liberdade ao réu que traz consigo droga para consumo pessoal. Houve a despenalização de tal conduta, embora ainda permanecesse a sua criminalização.

O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 prevê que o usuário de drogas seja encaminhado a programas de desintoxicação. Com a descriminalização do porte, o aparato (público e privado) existente no país seria suficiente para tratar esses usuários?

O sistema de saúde brasileiro não tem como desintoxicar usuário de qualquer tipo de droga, já que não tem como tratar sequer a população doente. A descriminalização trará transtornos inimagináveis à saúde pública, uma vez que hoje se tem maconha com alto índice de THC (tetrahidrocanabinol), capaz de causar séria dependência.

A repressão ao consumo é a maneira mais eficiente de se combater o tráfico de entorpecentes?

Em meu modesto entendimento, a Política Nacional Antidrogas está equivocada ao não reprimir o consumo, uma vez que o consumidor é que, ao fim, fornece, com o dinheiro da compra, armamentos para as organizações criminosas.

Como diferenciar um usuário de um traficante, já que o traficante, muitas vezes quando vai levar a droga ao usuário, pode estar portando apenas uma pequena quantidade da substância?

Diferencia-se o usuário do traficante, na prática, pela situação em que ambos são encontrados. Deve ser analisada não só a quantidade, mas também a forma como a droga estava embalada. Além disso, a apreensão de quantia relevante em dinheiro é fator também importante para indicar a traficância, já que os mercadores de droga usualmente portam valores consideráveis, geralmente em notas miúdas. Outra circunstância relevante é a existência de notícias do envolvimento do sujeito com o comércio de entorpecentes, bem como a apreensão de apetrechos usualmente utilizados na mercancia, como balanças de precisão, produtos químicos e sacos plásticos.

Quem defende a descriminalização argumenta que a pessoa deve ter a liberdade interna de querer fazer uso de algum tipo de droga. Qual o limite entre a liberdade individual e o direito da coletividade?

O argumento de que se deve ter a liberdade para adquirir e produzir ou fazer uso de qualquer tipo de droga vai de encontro a toda a sociedade, já que é ela que sofre com todos os delitos oriundos do tráfico e do uso de entorpecentes. Deixo aqui uma pergunta: se o indivíduo vai poder comprar droga, quem vai poder vender, já que o tráfico é proibido? O argumento de que poder-se-ia plantar um pé de maconha para uso próprio é falho, uma vez que a planta produz bem mais do que dois quilos de cannabis. Será que o usuário devolveria o restante?