Na maior parte das discussões a respeito de verbas indenizatórias fixadas pelas instâncias inferiores, o Superior Tribunal de Justiça tem registrado a impossibilidade de revisão dos valores em virtude da Súmula 7. Mas em situações excepcionais, o tribunal tem admitido o reexame desses valores, principalmente quando se mostram irrisórios ou exorbitantes — e por isso, distante da razoabilidade.

Um exemplo disso aconteceu em agosto de 2013, quando a 2ª Turma decidiu majorar o valor da indenização por danos morais e estéticos sofridos por uma mãe no momento do parto. Durante a cirurgia cesariana, houve um curto circuito no bisturi elétrico, que provocou a combustão do produto utilizado para a assepsia da mulher. Ela sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus (REsp 1.386.389).

Segundo o relator do recurso, ministro Herman Benjamin, além do sofrimento físico e psicológico experimentado por qualquer pessoa que sofra queimaduras de segundo e terceiro graus, “o caso revela ainda a particularidade de os danos terem acontecido justamente no momento do parto, quando os naturais sentimentos de ternura, de expectativa e de alegria foram substituídos pela dor, pânico e terror de assistir ao próprio corpo pegar fogo, padecimento agravado pela cogitação de que tais danos pudessem afetar a saúde ou integridade física do bebê”.

Os ministros da turma acordaram que não era razoável nem proporcional a indenização de apenas R$ 25 mil a título de danos morais e de R$ 15 mil por danos estéticos fixada pela instância inferior. Eles então aumentaram o dano moral para R$ 60 mil e o estético para R$ 30 mil.

Um tema atual, discutido na 3ª Turma em agosto de 2014, foi a possibilidade de reconhecimento de danos morais para um recém-nascido em razão da não de coleta das células-tronco de seu cordão umbilical no único momento em que isso seria possível: a hora do parto (REsp 1.291.247).

Os pais contrataram uma empresa para fazer a coleta e armazenagem do material genético do filho para utilizá-lo em eventual tratamento médico futuro. A empresa foi avisada sobre a data do parto, mas nenhum técnico compareceu ao local para a coleta.

Os pais ajuizaram ação de indenização em nome próprio e também em nome do bebê. A empresa alegou que não conseguiu chegar a tempo no local combinado, mas que restituiu o valor adiantado pelo casal. Alegou ainda que o descumprimento do contrato não geraria reparação por danos morais.

O primeiro grau condenou a empresa ao pagamento de indenização no valor de R$ 15 mil ao casal. Contudo, julgou improcedente o pedido feito em nome da criança por considerar que o dano ao bebê seria apenas hipotético. Para ela, o dano concreto só poderia ser discutido no futuro, se a criança viesse a precisar das células-tronco embrionárias que não foram colhidas.

As partes recorreram. Na ocasião, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aumentou a indenização para R$ 15 mil a cada um dos genitores. Porém, manteve a improcedência da ação em favor do bebê, por entender que ele não tinha “consciência necessária a potencializar a ocorrência de um dano”. Afastou também a teoria da perda da chance, por não haver probabilidade real de a criança necessitar do material genético, já que nasceu saudável.

Os pais recorreram ao STJ, que teve de julgar se a criança poderia ou não ter sofrido dano. Na avaliação do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso, a criança foi a principal prejudicada descumprimento do contrato pela empresa. Portanto, a criança tinha “naturalmente, direito à indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido por ter sido frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para que, se eventualmente for preciso, fazer-se uso delas em tratamento de saúde”.

De acordo com o ministro, esse é um “caso claro” de aplicação da teoria da perda de uma chance. Seguindo o voto do ministro, o colegiado condenou a empresa a pagar indenização no valor de R$ 60 mil à criança.

Crime de homicídio
Outra discussão envolvendo complicações na hora do parto ocorreu na 5ª Turma, no julgamento de Habeas Corpus impetrado por uma médica acusada da morte de um bebê por inobservância de regra técnica da profissão (HC 228.998).

A mãe havia dado entrada no hospital às 13h com dores fortes. Ficou internada durante todo o dia aguardando o parto. A médica, que era plantonista no hospital e atendeu a mãe durante o pré-natal, apenas orientava as enfermeiras por telefone, para que observassem os batimentos cardíacos do feto e aplicassem medicamento para aumentar a dilatação da paciente, que já tinha a recomendação de cesariana.

Os batimentos permaneceram normais até 21h40, quando uma enfermeira avisou à médica que não escutava mais os batimentos do bebê. A médica então foi para o hospital e mobilizou a equipe para uma cesariana de urgência. O feto foi retirado morto. A médica atestou como causa da morte: síndrome do cordão curto, aspiração maciça e parada cardiorrespiratória.

No Habeas Corpus impetrado no STJ, a médica objetivava o trancamento da ação penal ajuizada contra ela, alegando que a morte do feto havia se dado ainda no útero. Sustentou que estariam diante de crime impossível, pois “não há falar em crime de homicídio (doloso ou culposo) de feto natimorto”. Alegou ainda que a vida humana, bem jurídico em questão, não poderia ter sofrido ofensa, pois o feto já estava morto.

Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, que relatou o caso, os fatos descritos na denúncia foram “claros e determinados, podendo caracterizar, pelo menos em tese, o crime de homicídio culposo por inobservância de regra técnica”, já que consta nos autos que a mãe já estava em trabalho de parto havia mais de oito horas e os batimentos cardíacos foram monitorados por todo esse período.

De acordo com o ministro, iniciado o trabalho de parto, não há que se falar mais em aborto, mas sim em homicídio ou infanticídio. Também, segundo ele, não é necessário que o bebê tenha respirado para configurar o crime de homicídio. Para o colegiado, o trancamento da ação somente cabe “nas hipóteses em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano, suficientes para interromper antecipadamente a persecução penal, circunstâncias que não se verificam no presente caso”.

Intenção de matar
Situação semelhante à anterior foi julgada pela 6ª Turma do STJ. O colegiado não conheceu do HC impetrado por um pai que, com intenção de matar seu filho, golpeou a barriga da mãe no local onde o exame de ultrassom realizado anteriormente demonstrou estar a cabeça do bebê (HC 85.298).

O pai pediu o trancamento da ação penal ajuizada contra ele sob a alegação de que sua conduta foi tipificada como homicídio duplamente qualificado e lesão corporal grave. Ele alegou que o caso seria de lesão corporal com aceleração de parto. Sustentou que a conduta se deu antes do nascimento e não configuraria homicídio. Como a criança nasceu viva, também não seria caso de aborto.

Para a relatora Marilza Maynard, a lesão corporal à mãe foi produzida dolosamente, mas visando um resultado, que era a morte da criança. “Assim, é possível identificar o suposto dolo de matar, resultado possível tanto no delito de aborto quanto no de homicídio: ambos crimes contra a vida”, escreveu.

A relatora explicou que, como a criança nasceu viva, mas faleceu em seguida em razão da agressão, o tipo deveria ser adequado para o crime de homicídio consumado. Por isso, o colegiado não verificou na tipificação da conduta falha apta a justificar o trancamento da ação penal e entendeu que o caso deveria ser submetido ao veredicto do tribunal do júri.

Impossibilidade de sepultamento
Em outro julgamento (REsp 1.351.105), a 4ª Turma definiu que gera dano moral, passível de indenização, a violação do dever de guarda do cadáver de feto natimorto, “tendo em vista que provoca em seus familiares dor profunda com a descoberta da ausência dos restos mortais, a frustrar o sepultamento de ente querido, além de ensejar violação do direito à dignidade da pessoa morta”.

O caso, relatado pelo ministro Raul Araújo, era o de uma mãe, grávida de gêmeos, que deu à luz no Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Marília, em São Paulo. Uma das crianças nasceu viva; a outra, morta. O corpo do bebê foi encaminhado a um laboratório para que se descobrisse a causa da morte e em seguida desapareceu, o que impossibilitou o sepultamento.

Passados dois anos, a mãe ajuizou ação de indenização contra o hospital pelo desaparecimento do corpo do filho e pela falta de entrega do atestado de óbito. Disse que possivelmente a faculdade teria utilizado o corpo de seu filho em estudo e pesquisa.

De acordo com o relator, a impossibilidade de sepultamento do próprio filho em virtude do desaparecimento de seus restos mortais gerou ofensa a direito de personalidade por violação à integridade moral. Os ministros entenderam que a responsabilidade pela guarda do feto era do hospital, e não do laboratório para onde havia sido levado. A decisão do colegiado reduziu o valor da indenização a ser paga à mãe para R$ 100 mil, por considerar que o valor de R$ 500 mil fixado pelo tribunal estadual era exorbitante.

Licença-maternidade
Em outro processo (RMS 26.107), a 6ª Turma reconheceu que as servidoras públicas, incluídas as detentoras de função pública designada a título precário, possuem direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme prevê a Constituição e a Consolidação das Leis do Trabalho.

A decisão foi proferida no recurso de uma servidora dispensada de suas atividades quando estava afastada por licença maternidade. Ela alegou que a livre dispensa do servidor a título precário deveria ser interpretada com ressalva durante o período de gestação, pois afrontaria textos constitucionais.

Seguindo o voto do ministro Rogerio Schietti Cruz, que relatou o caso, o colegiado reconheceu que é assegurado às servidoras nessa condição o direito à indenização correspondente às vantagens financeiras pelo período constitucional da estabilidade. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.